9 de julho de 2009

Quando abri a porta da sala, a solidão dos retratos na parede se juntou à minha, tão imediato quanto os primeiros acordes de uma rapsódia. Os olhares todos miravam a mim e eu via minhas raízes entranhadas naquelas figuras carcomidas pelo tempo, cobertas de poeira, desprovidas da vida que um dia habitou o ser que ora representam.

Os antepassados todos se foram para sob o mármore escuro que recobre o mausoléu familiar. Agora são retratos sozinhos, cobertos do mesmo pó que eu trago em mim. Tenho, também, a solidão árida dessas paredes cobertas de retratos ressequidos e desbotados.

Mas quem somos nós, afinal? Que estranho é este que me sinto? Que moldura me espera para compor a genealogia do clã? Fiz de mim a única família que sou. Fiz de mármore o coração, mas não guardo nele os despojos inúteis dos que um dia estiveram ao meu redor. Minha moldura, de fumaça, poeira e solidão, não tem espaço na parede da sala velha. Também não há parede para o seu retrato.

Hei de ser sempre a memória na gaveta, aquela que está junto à sua representação esquecida, amarelada, insignificante. A tua representação imagística que eu mesmo coloquei ali, na intenção de falsamente me surpreender, quando na procura de um poema velho. Ali também estou: só, tanto quanto você é.

Quando fechei a porta, vieram todas as molduras ao chão. Eu estava virado dentro da gaveta e os seus olhos colados aos meus. Retratos esquecidos, empoeirados, envolvidos pela mesma solidão.


(uma outra versão - ainda não definitiva)

2 comentários:

Everton disse...

Está pode ser a definitiva. Ótimo.

Márcio Bergamini disse...

Thank's pela sempre presença, man! =*