3 de junho de 2010

Porcus Christi

A lenha crepitando no terreiro enquanto a água sobre o fogo virava fumo. À espreita, um galo velho olha triste o horizonte. Os primeiros grunhidos de desespero da criatura fadada ao Hades ecoaram quando o algoz lhe agarrou as pernas após a perseguição. A faca afiada penetrou-lhe o peito e o quente do sangue tingiu as mãos do homem de vida que se ia para sabe Deus onde. A dor lhe contorcia o ser enquanto o corpo se debatia inútil no chão de terra pisada. Aos meus olhos, vê-lo tão cruelmente morrer fez despertar o prazer pelo sofrimento alheio. A diversão era o espetáculo grotesco do sangue banhando a terra. Era ouvir grunhidos sangrando pela boca do leitão, enquanto as palavras me invadiam no mesmo desespero com que a vida lhe escapava. Aos poucos, a morte lhe envolvia. Tomava-lhe o ser com uma paixão cálida, gerada no bojo de um copo de vinho. Deitou-se nele como o amante sobre o corpo amado. Deixou que o corpo espasmasse ainda, momentos finais do prazer carnal. Bendito fruto de vosso ventre, Jesus, era morto.
A água quente limpou o couro e a pele alva revelou-se imaculada. O cheiro estúpido nauseia minha mente e o prazer é vômito que flerta com o sangue e penetra o olho de um formigueiro. Na lida de preparar o despojo, a incisão cirúrgica revela o corpo oculto. As vísceras quentes ecoam vida e envolvem minhas mãos com ternura maternal. É quente, como quentes são as palvras, as sensações, o asco prazeroso de ter nas mãos as entranhas do porco. O deleite da vida nas tripas, na merda, na mosca verde que pisa os olhos vidrados do defunto.
O sangue e o corpo do porco cozidos na boca do homem. Perdoai as nossas ofensas, assim como nós devoramos o que nos tem apetecido. Os restos são ossos de palavras, relíquias das sensações, prazeres para fruição, que perduram depois da minha morte. Amém.

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