10 de outubro de 2008

Memórias de Efraïn

Está tudo aqui, Efraïn. Aqui, ó! Na minha caxolinha de menino bobo. Menino Antigo. Está tudo aqui, repousando sobre meu velho coração de pedra, mais vivo do que eu, mais presente do que o efemero e sutil perfume em minhas mãos. Deixe de ser besta, homem! Não é besteira. E pensou em quantas besteiras havia feito ou sonhado fazer. Sempre assim: pensando. Nós desperdiçamos a oportunidade, Efraïn. Mas ainda há tempo. Nunca o tempo me é suficiente. Contemplou as flores através da janela. Enquanto isso, os olhos de Efraïn miravam o grande relojo recostado na parede branca sem saber o que olhar. Além do quê, há uma pedra de carne e osso no meio do caminho. Remova-a, pois. Como, homem?! Enlouqueceste?! Dê-se. Abra-se. Todos sabem da beleza que habita em ti. Do hálito cálido que emana doces verbos. Efaïn dizia aquilo como quem tecia loas a um rei. Era sincero no falar. De uma sinceridade por vezes agressiva. Houve silêncio naquele momento. Os olhos de Efraïn repousavam sobre a face trêmula do amigo que tinha o olhar obnubilado pelas lágrimas. Lágrimas que jamais tocaram ou sequer tocariam o solo, porque, dantes de cair, evaporavam-se da fonte para o Éter. Feixes de luz vazaram a vidraça como um farol que guia marinheiros em busca da terra firme. A terra estava ali. Banhada por um oceano que ambos não sabiam de onde brotava. E na terra estava a pedra inerte sobre a qual tudo repousava. Eram os faróis do carro em que ela vinha. Senhora de si. Senhora dele, disfarçando não saber. Ambos se pertenciam, mas anulavam-se. O porquê nunca se soube. Ambos enganavam-se. Dissimulados que eram. Efraïn sinceramente não entendia aquilo. Para ele seria tão simples. Bastaria um lispectoriano sim e o universo se vos descortinaria para a vida. Mas nada era tão simples quando se travava daquele Menino Antigo. E o grande engano, a grande ilusão era exatamente essa. Na verdade, era tudo mais simples do que a própria simplicidade. Efraïn descobriria isso talvez sessenta anos mais tarde. Ela veio. Porquê? Efraïn nada disse. Sabia-o bem. Como todos sempre souberam. Quando a porta abriu e primeiro se anunciaram os dedos alvos e finos de uma mão pequena, o Menino voltou-se para Efraïn e as cortinas dissiparam-se, como as lágrimas que vertera, para o início de mais um espetáculo patético.

6 comentários:

jh.sil disse...

Receba meu silêncio.

Ele diz muito mais que as palavras podem imaginar.

Kelly \o/ disse...

Amodorei seu texto, xu! Lindo lindo! Parabéns, Brag.., digo, Berga! :D

Anônimo disse...

Belo texto Márcio, ainda não conhecia seu lado da prosa, pelo menos q me lembre...Efraïn..tu anda lendo os alemães??
Parabéns! realmente estava insipirado nesse momento patético (bom sentido) q se tornou, literalmente, um " espetáculo patético". beijos açucarados!!!

Anônimo disse...

É, Marcito,

Acho q vc terá que virar escritor. Caramba..vc escreve muito...mas eu já sabia disso. Adorei!!!

Beijos.

Everton disse...

deveras belissimo!
heuaheuaheuaheuaheauhuhoowW
firmeza mesmo!
=D ... Juro que compro seus livros!

Johnny Dias disse...

QUe mistura de poesia com prosa.
A poesia em momentos toma a prosa, mas nada que desestruture o rigor que esta última exige.
Com parágrafos curtos, de modo a revelar algo semelhante da fala com o que tivera com Efraïn, nome misterioso para um leitor pouco atento,mas realmente claro para quem souber formar, por meio das letras oferecidas, o nome que verdadeiramente deveria constar ali.
Meu caro Bergamini: sempre escreva, sempre dedilhe o teclado e nos ofereça mais e outras poesias e prosas.
Abraços