13 de outubro de 2008

Aniversário

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa como uma religião qualquer.

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de nao perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente perante a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui suposto a mim mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui - ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente e mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dialidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas - doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado -,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...




(Alváro de Campos - Ficções do Interlúdio - in Fernando Pessoa - Obra Poética - Volume único, 2008)


Poema especialmente para o dia de hoje =]

9 comentários:

jh.sil disse...

Eu gostaria muito de saber por que escolheu justamente esse poema para postar hoje?

Depois lhe digo o porquê da minha curiosidade.

Besos, caro.

Anônimo disse...

PaRaBénS!!

Feliz Aniversário Senhor Berga...!!

Bjos... bjos!!

Márcio Bergamini disse...

Pru modi do meu aniversário, cara Gauche.

É um belo e triste poema. Não tenho o grande saudosismo que ele contém. Ao menos não em relação às coisas expressadas nele... O meu saudosismo vai além...
Fazer anos é além...

Q coisa não!

Everton disse...

sputinic!
=P~

jh.sil disse...

Primeiramente: meus parabéns atrasado =). Muita poesia pra sua vida.

Agora...

Saudosismo?

E quais são as coisas expressadas nele, a seu ver. Fiquei curiosa. Este é um dos meus prediletos - se não o for.

Não creio, propriamente, no saudosismo.

Anônimo disse...

PARABENS MUITO ATRASADO!
bom, estas muy belo su blog.
vou visitar mais vezes.

bacio!

Márcio Bergamini disse...

O saudosismo, cara Gauche, é "a grande dor das coisas que passaram". É ver-se impotente, velho e inútil, no presente, e relembrar de quão boa foi a infância. De quão bão era "no tempo em que festajam os dias dos meus anos".
É uma melancolia saudosista, talvez fruto amargo da tristeza por ter-se tornado o que é... Talvez não seja nada disso.

jh.sil disse...

Acredito que seja uma possibilidade de leitura essa. E das boas! Isso se a infância citada referir-se ao momento em que o tempo era unido ao espaço, e fazia dele único e intocável, isto é, quando o manto sagrado revestia a poesia, e todas as outras manifestações artísticas, com o intuito de eternizá-las. Propiciando a sua contínua repetição. O que está claramente explícito pelos versos que se repetem "No tempo em que festejavam o dia dos meus anos". Vê-se principalmente, por esses versos, essa preocupação de repetir todos os acontecimentos, para, deste modo, eternizá-los. Nesse sentido, creio, a poesia engatinhava. Vivia no desejo de 'viver na sua eterna infância'. Com o advento da tecnologia, e todos os blá blá blá que ele trouxe, que você já conhece bem, houve uma ruptura com esse modo de fazer arte. O nó em que o espaço e o tempo se entrelaçam, desgarra-se, e o desejo do eterno acontecer de novo torna-se o despertar para o novo. Por isso há, no início, "Eu era feliz e ninguém estava morto". Com essa perda da aura sagrada, o modo velho, antigo é substituido pelo 'novo', e, conseqüentemente "morre". Isso tudo a muito grosso modo. Esse poema, para mim, é pauta para páginas e páginas de discursso.

Bem, no mais, achar que o poema fala das dores de uma velhice impotente que lamenta a perda infância, a meu ver, é pura ingenuidade - o que não faz dessa leitura pior da outra, e sim diferente. Ou não, vai saber.

Por isso disse que não concordo muito com o termo saudosismo. Há muitas leituras deste poema que o remetem à possível fase decadente [?] de Campos. Dizem que foi escrito num momento nostálgico e infeliz, e mais um monte de superficialidades. Há uma riqueza e um propósito muito grandes por trás do tempo em que festejavam o dia dos meus anos.

Abraços, moço.
E seja [re]bem-vindo =)

Dani disse...

Marcio, vim falar q criei um novo blog, só pros meus míninos escritos.
Agora as coisas ficaram separadas, é melhor!
Entre lá:
www.autorademimmesma.blogspot.com