6 de outubro de 2009

Agonia

de Efraïn Bacuri

Sente-se estranha. Arrepios insólitos invadem-lhe a alma e a incomodam mais do que a visão da mosca mosqueando a face pálida do defunto. Nem chega à décima terceira Ave-Maria e vê Cristo se contorcer na cruz. Tamanha é a dor do Galileu ao torcer os braços e dilacerar as mãos nas estacas que as fixam na madeira, que ela sente, nas próprias mãos, a agonia do Redentor.
Vai morrer. É a primeira idéia que vem à sua mente perturbada pela dor física. Vê as paredes se afastarem e o lamento das carpideiras soar longe de sua consciência. A cadeira gira e num descuido o rosário vai ao chão. Olhos de anjos lhe espreitam com um sorriso malicioso. Cristo, caído, agoniza. O ventre da mulher acompanha cada gemido. Suas entranhas são cordas da marionete sacra que se contorce sob o caixão suspenso por pedestais.
Uma carola nota a agonia e, num gesto de socorro, leva a mulher para fora do recinto. Trêmula e curvada, caminha com dificuldade para o arejado da sala de velório. Ao sentar-se, sente o ápice da dor tirar-lhe o controle do corpo. Mira os olhos da companheira com o espanto de uma criança que vai ao circo com medo de palhaço. Peida um peido estrondoso que retumba pela sala. Cristo volta à cruz, as paredes quedam-se estáticas e a mosca que acariciava o defundo vai agora a outros ares.

Um comentário:

Everton disse...

Adoro Efrain e sua personalidade.