Os deuses estavam mortos. Glória e injustiça valsavam sobre os corpos rijos e agonizantes. Uma mosca verde explorava uma narina com a curiosidade lépida de uma criança. Penetrava pelo sangue ainda quente do soldado, regozijava-se no fluído que escorria pela face inerte, marcada com o pavor no olhar, cravado ali, na agonia da morte. Uma legião de urubus plainava em círculos sobre a enseada. Olhavam atentos, sentiam o perfume quente do sangue fresco e lhes invadia a alma o desejo louco de devorar aqueles despojos sobre os quais, em alguns raros, bailava ainda um pouco de vida. Fraca vida que se esvaia por chagas de pólvora e sulcos abertos sobre a pele. O moribundo que contemplava sem saber a coreografia dos urubus, lutava em vão por abraçar o ar. Não tinha braços. O ar era um coelho assustado que lhe fugia à caçada. Seu grito mudo era música fúnebre, marcha militar ecoando em precipício de ferro e carne. Quando sentiu não haver mais dor, quando sentiu que expiraria e soube que a última coisa que emitiria seria o arroto asco dos defuntos quando o corpo fosse removido, viu se aproximar a escura nuvem que lhe pousou sobre a testa. Olhos negros sorriram para ele. Sentiu apenas o bico lhe perfurar os olhos e o sangue brotar em lágrimas a embebedar o insaciável urubu.
3 comentários:
Muito bom. Seria uma ótima introdução para um livro. Que tal continuar a história?
Sabe, caro Everton, lembro-me do meu "primeiro" escrito. Digo primeiro pq é um dos mais antigos, não sei precisar datas. Mostrei-o um dia a uma professora, já na graduação. Ela disse: mas isso dá gosto de quero mais. Dia desses, analisando alguns outros, notei que boa parte se encerram no clímax, ou num desfecho climático, deixando o texto com gosto de quero mais. Talvez essa seja uma das características do meu estilo que, de todo, não se firmou.
=]
Excelente!!
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