24 de maio de 2009

Laranja

de Efraïn Bacuri

Da janela do apartamento, observo as pessoas que caminham por entre as barracas coloridas da feira lá embaixo. Há cabeças de todo tipo: grandes, pequenas, louras, morenas, carecas, cobertas por coisas curiosas como, por exemplo, um boné que, deste ângulo, parece um alvo. Ao vê-lo, brota em mim a vontade de deixar com que um de meus vazinhos de flor viaje guiado pela gravidade até o alvo na cabeça. Mas não sou capaz disso. Seria maldade com a florzinha, além do quê, ele não estava imóvel.
Vendo as cabecinhas caminhantes, não sei por que cargas d'água dá-me o querer de uma laranja. Deito a caneca de chá na pia e desço à feira para comprar algumas. Não saio sem colocar sobre a cuca a boina preta que trouxe de Espanha.
Na feira, sou mais uma cabeça que compõe a paisagem. Os meus olhos passeiam por todo o ambiente procurando a barraca das laranjas. Cruzam com outros olhos, desconhecidos e indiferentes, passam por melancias, melões e uma pomba na jaca que um japonês espanta muito enfezadamente. Avisto-as e vou em sua direção. Uma senhora de cãs simpaticamente revolvidas pelo vento escolhe algumas para mim. Não sei qual é o critério para escolher laranjas. Matilde é quem sempre as compra. Preciso perguntar isso a ela quando vier para o almoço, junto com a família.
No apartamento, abro e saboreio uma das frutas: cheirosa, tenra, doce. Depois disso, cuido dos afazeres dominicais: regar as plantas, ler o jornal, verificar o e-mail, abrir um velho livro de poemas e ler como uma oração para o espírito. Depois preparo o almoço, pouco antes de as visitas chegarem. Com algumas laranjas, faço uma salada com azeite, azeitonas pretas e algum condimento.
Matilde chega com o marido e as crianças que, mal chegam, pedem livros e querem que eu conte histórias e que ensine um novo origami. Matilde diz que estou criando monstros e acostumando mal essas criaturas. Não creio. Faço a vontade dos pequenos enquanto converso com os adultos. Ela põe a mesa e hoje é permitido esquecer o cerimonial. Falo das laranjas e me explicam como escolhê-las pela cor e consistência.
A menina, sempre com olhinhos atentos a tudo que falamos, pergunta o por quê a laranja se chama laranja, se por fora ela é verde e por dentro amarela. Eu olho espantado para ela. Não me ocorrera, até então, o motivo de a laranja se chamar laranja, observando-se que, na maioria das vezes, nem alaranjadas elas são. Como se não bastasse, a guria emenda indagando o motivo de a cenoura se chamar cenoura, sendo que deveria se chamar laranja por ser alaranjada!
Eu fico sem palavras e olho para Matilde com expressão de socorro. Ela é mãe, deve estar acostumada às indagações pueris dos filhos. A mulher sorri de modo angélico e diz à filha que foi Deus quem dera o nome para as coisas e que aquela aparente bagunça, na verdade, é poesia divina. A menina acena com a cabeça e se entretem com o livro que lhe dei.
Sento-me atônito com o que acabo de ouvir. Eu, que jurava saber responder às mais complexas questões Academia, sou pego de calças curtas pela dúvida de uma menininha que começa a pensar nas coisas do mundo. Mas não é isso que me pasma. É a poesia de mãe que sabe explicar as coisas para o filho. É a poesia de criança que entende tudo na linguagem simples de sua mãe.
Matilde volta da cozinha trazendo nas mãos a refratária com a salada de laranja. O marido diz para os pequenos lavarem as mãos e se sentarem à mesa. A conversa flui sobre o cotidiano e suas fabulosas novidades. Enquanto falamos e comemos, a laranja vai derramando sua poesia doce no paladar deste domingo alaranjado.

2 comentários:

Everton disse...

Bacuri parece estranho, tudo bem com ele?

Márcio Bergamini disse...

Modisquê estranho?!

Ele tah melhor q eu!


kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

Esse rapaz Bacuri rouba meu potencial literário... hueaheuhauehaheueahuhahhueahuea